A cada três anos, a advocacia do Brasil elege seus representantes. Semelhantemente à estrutura federativa, a divisão entre União, Estados e Municípios se equivale à repartição da representatividade institucional. Na estrutura da advocacia, há o Conselho Federal, as Seccionais, as Subseções e, ainda, as Caixas de Assistência dos Advogados. Nesse despretensioso comparativo, no entanto, há características eleitorais próprias da advocacia que destoam do regramento democrático brasileiro. As principais delas estão na forma peculiar da eleição de classe, sendo as mais exemplificativas o sistema de eleição indireta para a presidência do Conselho Federal, a extensa quarentena imposta a advogadas e a advogados que pretendam concorrer a cargo eletivo quando tenham ocupado alguma posição em cargo público, e a própria forma de composição da chapa e do Conselho estadual eleito. Também há descompasso com a legislação eleitoral quando a advocacia recusa a realização de segundo turno na hipótese de contingente eleitoral expressivo. Todas essas questões demandam reflexão, objetivando o aprimoramento das regras eleitorais concernentes à Ordem dos Advogados do Brasil. É preferível tratar a advocacia como verdadeiro Poder de Estado, na feliz expressão de Sergei Cobra Arbex, do que enxergá-la como instituição infecunda enclausurada em si própria.

E a primeira questão que vem à tona é exatamente a indispensável adoção de eleição direta para o Conselho Federal. Por mais paradoxal que possa parecer, a OAB – a principal instituição da sociedade brasileira na defesa dos direitos e das garantias individuais e coletivos, além de considerada por lei como serviço público (EAOAB, art. 44) – elege o presidente do Conselho Federal por meio indireto de escolha, não facultando às advogadas e aos advogados eleger seu mandatário máximo. Não fosse a OAB uma das protagonistas nos processos de redemocratização do Brasil e da vigilância pública, quando encabeçou tanto movimentos por eleições diretas quanto impeachment presidencial, não seria tão paradoxal conviver intramuros com esse peculiar e indesejado modo de escolha da sua própria presidência. Essa grave distorção precisa ser o quanto antes corrigida, sem deixar de lado a preocupação em torno da efetividade da adoção da eleição direta, que não poderá trocar seis por meia dúzia.

Alguns pontos não menos relevantes demandam reflexão por parte da advocacia e do próprio legislador. Ainda que em boa medida recentemente se tenha aprovado critério de inclusão institucional prestigiando gênero e raça – o que em si não resolve um problema endêmico da própria sociedade brasileira, mas revela avanço para superação de entraves sociais para lá de indesejados – há questões que precisam ser revisitadas. A mais premente diz respeito à votação eletrônica, ferramenta indispensável para a desejada expansão democrática institucional. Já se foi o tempo em que imperava o glamour da votação presencial, quando se facultava às advogadas e aos advogados espaço para o embate eleitoral com subjacente confraternização: ruas lotadas, o romantismo de se subir escada de faculdades encontrando amigos e, circunstancialmente, naquele momento, até adversários, além de comemorações ou frustações ladeando mesas de um mesmo restaurante. Fechar os olhos para a realidade nos impede de entender que esse mecanismo que outrora era o único possível, hoje, afugenta o voto, gera abstenção e desprestigia o exercício de um direito muitas vezes trocado pela sanção do pagamento da multa. Tudo isso poderia em benfazeja da participação democrática ser substituído por mecanismos seguros de votação eletrônica. Nesse sentido, digna de encômios a precursora iniciativa do Instituto M133, no ano 2020, ao postular junto ao Conselho Federal a mais do que necessária adoção de votação eletrônica, ocasião em que seus diretores Daniela Magalhães e Leonardo Sica e o já saudoso e para sempre insubstituível Presidente Mario Sergio Duarte Garcia ali estiveram defendendo a ideia. Já na eleição de 2021, algumas Seccionais adotarão a votação eletrônica e nesse momento o que se deve rogar a todas as outras é que o façam de imediato. Negar acesso à democracia é o maior vilipendio institucional que possa ser praticado.

Outra distorção eleitoral verificada no âmbito institucional guarda relação com já proferida decisão do Conselho Federal que não admitiu segundo turno de votação em Seccionais que tenham expressivo contingente eleitoral. Se comparada à legislação eleitoral, a adoção de segundo turno viria em obséquio ao justo resultado de pleitos nessas seccionais e evitaria o desconforto de se ter mais votos entre os derrotados do que os atingidos pelo vencedor. Nessa hipótese, ganha quem perdeu, governa quem não se deseja. É um paradoxo que só pode ser resolvido de duas maneiras: ou se admite o segundo turno ou concentram-se candidaturas. Preferível a primeira, embora pareça necessária a segunda. É comum ouvir no âmbito institucional que eleição de Ordem só se ganha de dentro para fora e esse paradigma precisa ser superado.

Embora haja outras questões, não deixaria de destacar que a adoção do critério que elege a chapa como um todo poderia também ser reestudado. Na eleição para o Conselho das Seccionais e mesmo para as cadeiras do Conselho Federal, talvez se pudesse pensar na composição multifacetária proporcional aos votos obtidos pela própria chapa. No âmbito do DNA, o Vice-Presidente Gabriel Marciliano Jr é o maior entusiasta do assunto, defendendo com esmero essa bandeira. Com inteira razão aqueles que se insurgem à centralização do poder em torno da figura presidencial, que passa a dirigir a entidade sem a contribuição de visões plurais: se o Conselho (Estadual ou Federal) fosse composto por advogadas e advogados vindos de todas as chapas, à proporção de seus votos, as questões atinentes a esses órgãos seriam decididas com maior abrangência a partir do somatório de opiniões que, no lugar de revelar em si odiosa prática oposicionista, na verdade contribuiriam para a estruturação mais consentânea das políticas de classe. A inteligente percepção de Alexandre Sá Domingues nos motiva a reflexões, pois com razão sustenta que o conselheiro seccional deve ser a voz da região no Conselho e não a voz do presidente na região.

Em novembro de 2021, com esse novo normal à espreita, a advocacia estará unida na festa democrática, mas é preciso que a todas as advogadas e a todos os advogados sejam conferidos em sua extensão máxima os direitos inerentes à democracia, dentre eles hoje o mais significativo e mais tangível representado pela votação eletrônica no âmbito da eleição Seccional. Em São Paulo, sua adoção seria inclusive uma forma de se prestar póstuma e muito justa homenagem ao nosso para sempre presidente Mário Sérgio Duarte Garcia, reconhecendo como seu último legado essa tão importante e quanto indispensável conquista.

Seria esse um bom começo para a Nova Advocacia. As demais questões podem esperar o porvir.

Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa

Presidente

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