No último 14 de maio, a advocacia alvoreceu presa como se estivesse em flagrante delito. A cena, já amplamente conhecida pelas advogadas e pelos advogados, primeiro de São Paulo, depois do Brasil e certamente terá se espalhado mundo afora, revela a prisão de um advogado por um Delegado de Polícia. Os documentos apontam para questões fáticas que devem ser esclarecidas em seara própria, havendo controvérsia sobre a própria contratação profissional do advogado que acabou preso em flagrante delito. Em síntese, as versões indicam, a por ele sustentada, que fora contratado pela genitora de uma das pessoas detidas na ocorrência em que veio a atuar como advogado; a da autoridade policial, que ele ali estaria a mando alheio, a preservar interesses escusos, de quem na história foi tratado como “cabeça do bando”. O fato é que ao ser avisada da prisão da filha, sua mãe teria contratado advogado para representá-la naquele momento e se essa o aceitou ou não, se o substituiu ou não, é questão que aflorou após já ter se evidenciado o cerceamento profissional, pois o advogado alega que não pode com ela privar e que viu-se impedido de exercer na indispensável plenitude o seu ofício, o que teria até mesmo motivado a descrença. Enredo de tal jaez renderia um daqueles contos imodestos de Machado de Assis ou não resistiria a assaz crítica social de Nelson Rodrigues.
Em outra dimensão, o fato remete à prisão de advogada no Rio de Janeiro, em audiência cível, por ter se insurgido contra o cerceamento profissional em ler manifestação processual para sobre ela se reportar, vendo-se constrangidamente algemada na própria sala forense.
Quando se algema a advocacia, a balança da justiça desequilibra.
Saindo um pouco das consequências dos fatos em si mesmos considerados e das apurações que tenham sido ou devam ser feitas, a perspectiva da reflexão está antes para a causa, do que tratá-la pelo efeito: não é a casca do fruto que revela seu problema, mas a raiz da árvore de onde provém.
O primeiro fato (do qual o segundo não distancia muito, por ter sido da mesma forma explorado) rendeu em pouquíssimas horas como se fosse uma partida de War nas redes sociais, onde o objetivo de uns era destruir o exército amarelo e o de outros dominar o mundo. A discussão enveredou-se muito mais por saber se a Ordem dos Advogados do Brasil atuara ou não em defesa de um dos seus, ficando confinada a uma perspectiva antes eleitoral, até, do que tenha se ocupado da concausa em si. Talvez pudesse ser conveniente perquirir, bem antes, por que a advocacia se viu aqui e ali na berlinda.
É a este âmago que devemos chegar, porque não se cura a doença atacando os sintomas. Atacá-los, apenas a esconde, igualzinho a quem limpa a casa e põe a sujeira embaixo do tapete ao invés de removê-la.
Para chegar no ponto de ser algemada, a advocacia está enfraquecida. Os episódios narrados dizem menos da situação do que o cuidadoso intérprete já possa imaginar. Impedir a advogada e o advogado de exercer o seu ofício profissional tem se revelado indesejado hábito de (algumas das) nossas autoridades.
Outrora a mais alta Corte impedira acesso a autos, cerceando o direito constitucional a todos assegurado. Já a pandemia tem se revelado terreno fértil para investidas contra prerrogativas profissionais, do que possa ser o mais fecundo exemplo a negativa de acesso a juízes, mesmo virtualmente.
A permanente submissão da advocacia a algemas e a amarras revela enfraquecimento institucional da profissão e o posterior desagravo tira a febre mas não cura a doença. A abertura de um canal franco de diálogo com as autoridades constituídas ou quando necessário a adoção de medidas contundentes junto aos órgãos que as controlam deveria ser o escopo primário dos gestores da advocacia brasileira. Nos jogos da minha infância, é como se eu pudesse ver a advocacia sempre em xeque-mate e isso seguramente não é bom nem desejado e compromete o próprio estado de direito prometido pelo legislador constituinte.
Do episódio do último dia 13, os fatos devem e serão apurados mas carregaremos uma esperança: a mobilização da classe em torno de suas próprias prerrogativas pois quando todos bradam por um, esse um nunca mais será tratado dentro de sua individualidade, mas, com o respeito que a todos se deva dar.
A vantagem é que não somos apenas três mosqueteiros, mas milhão de advogadas e advogados. E todos essenciais à administração da Justiça, sempre é bom lembrar.

HÉLIO RUBENS BATISTA RIBEIRO COSTA

PRESIDENTE

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