Em fevereiro de 1958, estreava em um combalido Teatro de Arena a peça “Eles Não Usam Black Tie”, escrita por Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006).
Um dos marcos da dramaturgia nacional, a peça tem como personagem principal Tião, um jovem que resolve trair uma greve de operários conduzida por seu próprio pai, Otávio, um velho sindicalista. Dentre os motivos do jovem destaca-se o medo, racionalizado na concepção de que a luta dos trabalhadores seria uma utopia sem chance de reconhecimento.
No dia 14 de maio de 2021, mais de 60 anos após a consagração de Guarnieri, advogados de todo o Brasil acordaram com um grito lançado em diversos grupos de Whatsapp.
Na noite do dia anterior, no 103º DP de São Paulo, localizado em Itaquera, símbolo da periferia paulistana, um advogado foi preso em flagrante ao atuar na defesa de uma mulher que se encontrava detida, basicamente por tê-la aconselhado a não fornecer a senha de seu telefone celular.
A seguir uma rotina já sedimentada na consciência coletiva da advocacia, o excesso praticado poderia ser apenas mais um evento limitado à internet. Advogadas e advogados com acesso à notícia expressariam por escrito sua indignação, lançariam emojis de indignação e, na manhã seguinte, seguiriam no cumprimento de seus prazos, restando o fato perdido em algum buraco escuro do jardim das excentricidades.
Mas a coisa tomou outro rumo.
Dos fatos brotou uma ação coletiva, imediata e não combinada. Em um movimento de levante, dezenas de advogados e advogadas despertaram, no meio da noite, para a necessidade de defesa da classe.
Surpreende (para não dizer que assusta) a imagem de advogados desconhecidos aglomerados na delegacia em defesa do outro. Advogados anônimos e que possuíam em comum, além da profissão, apenas um histórico particular de desfeitas e humilhações, saíram de suas casas e foram até uma delegacia de difícil acesso para muitos.
O que ocorreu foi uma lição. Assim como Guarnieri revolucionou ao trazer para o teatro a voz do homem comum, o evento pode ser interpretado como um grito àqueles que ocupam posições de destaque e de privilégio na advocacia, àqueles que do alto de bons escritórios, acostumados com a regularidade do tratamento que em regra recebem de autoridades, involuntariamente se alienam das afrontas que outros advogados sofrem em regiões periféricas do Brasil.
O menoscabo que é exceção na vida profissional de advogados acostumados ao uso do black tie, muitas vezes é regra na vida profissional de advogados em posições mais modestas, o chão de fábrica que faz a roda girar.
A “alta advocacia” precisa enxergar no colega de combate que está mais distante e que geralmente possui menos poder de influência, um igual. Lutar por seus direitos.
Se a lição for bem digerida, este ato de sublevação pode ter um significado muito maior do que o caso em si. Pode representar o início do fim de uma era de medo, um sentimento decorrente da crença no respeito e na valorização da classe, como simples utopia.
Foi bonito constatar a união, algo que de certa forma lembra dos conselhos da personagem Maria, noiva de Tião na peça de Gianfrancesco: “Sozinho tu não resolve nada!”.